Quando se cria, caminha, sem sociedade...
Há dez anos, quase onze, ganhei um par de sapatos...
Lindos de morrer, e apesar os ter esperado receber com todo o promenor e
afinco, doeram-me de imediato, desde a primeira vez que os calçei.
Senti, logo no primeiro momento em que os experimentei,
que precisava de ajuda, mas como não a tive, optei por os calçar sozinha..
A partir desse dia, nunca mais os tirei, calço-os
todos os dias, nunca saio de casa sem eles e vou com eles para todo o lado.
Ano após ano, estes sapatos tornaram-se cada vez mais
apertados, às vezes tão justos, duros e pesados que me custam até dar um passo,
mas não sou capaz de os tirar.
Na rua, a sociedade olha-me de soslaio, e as
pessoas que se vão cruzando comigo, viram a cara para o outro lado, ou então,
denunciam toda a sua pobreza de espirito olhando com desdém.
E então, sou despertada a pensar, que lhes custa ver
tudo aquilo que não seja propriamente uma situação normal, tudo que saí da
fortaleza cruel dos estereótipos implantados, das muralhas erguidas à volta de
quem é diferente.
Nestas alturas sinto que os meus sapatos os incomodam,
porque lhes custa ver-me a mancar, por vezes arrastar-me para conseguir
caminhar, e que o faço com todo o meu esforço e custo.
Nunca, houve um dia que fosse, nesta década, que
alguém se oferecesse para eu trocar de sapatos, mesmo que, por breves momentos
apenas para poder relaxar os pés, ou para saber como é, quando se tem uns
sapatos mais confortáveis.
A sociedade assume que estes sapatos são
meus, só meus, e portanto, só eu os posso calçar, mesmo que isso signifique
prescindir de uma vida digna, dentro dos parametros minimamente humanos, mesmo
que deixe de viver uma vida própria.
Além de que, ninguém ousa imaginar o quão dificil é,
usar este par de sapatos, e muito menos pensar, que quando alguém os calça, não
tem jamais o direito de os tirar.
É sempre mais fácil ignorar, para não se ter de
ajudar.
Ainda assim, o mais doloroso, não é a dor de
usar os meus sapatos, mas saber que eles serviriam sempre a alguém, ou a muitos
'alguéns', que até calçam o mesmo tamanho que eu, e que podiam, se assim o
pretendessem ter a mesma capacidade e responsabilidade de os calçar de vez em
quando, e caminhar com eles tão bem como eu. Porque a verdade, é que os laços
familiares não se deveriam limitar quando surge uma adversidade, mas sim, o
oposto.
Mas é nesta sociedade esteriotipada que eu vivo com o
meu par de sapatos apertados e raros, uma sociedade que não programa, nem planea
o dia em que eu poderei não os conseguir calçar mais, ou não for capaz de dar
nem mais um passo.
No entanto, foi este par de sapatos raros, que fez de
mim a pessoa que hoje sou, que me ensinou a sofrer e chorar lágrimas de
felicidade com o menor objetivo concretizado, a pousar o pé devagar e sentir um
pequeno pedaço de chão, a olhar em frente e ver um caminho que será nosso,
demore o tempo que tiver de ser.
Compete-me ainda acresentar, que este par de sapatos é
o tesouro mais valioso e precioso que a vida alguma vez me poderia presentear.
A sociedade optou não caminhar com o meu par de
sapatos, e eu optei por nunca os tirar, até a vida assim me permitir. Será com
eles que farei questão de mostar ao mundo o tão perfeito que são, e o orgulho
que tenho em os calçar todos os dias!
Com sociedade, ou sem sociedade, o amor não compactua
com a solidão.
De uma mãe eternamente apaixonada,
Helena Lopes
Querida mãe apaixonada,acredito que seja linda,mas,fica miuto mais bonita com seus sapatinhos calçados.Não é qualquer mãe que tem o previlégio de ter um par de sapatos tão delicados.Tenho uns semelhantes.Poe vezes realmente os pés estão tão inchados que quase não cabem dentro deles,mas como são para mim sempre os consigo calçar.É MÃE apaixonada!Que esse coração continue sempre apaixonado.
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