sábado, 29 de abril de 2017



Hoje sonhei que estava a contemplar um arco-íris. Olhava e voltava a olhar, enquanto contemplava aquelas cores espelhadas no céu. O reflexo do sol nas gotas de chuva trazia-me uma enorme sensação de estar a flutuar em nuvens de esperança. E ali permanecia eu, tranquila e atenta, a viajar num céu de amor e alegria. Um céu que me acolhia e abraçava a cada instante. Um céu pintado à mão, com dedicação e coragem. E ao fundo, ali estava eleo arco-íris. A relembrar-me que a vida é bela e única, quando nos deixamos embalar em nuvens de ternura. Remei na minha pequena nuvem até ele e ao aproximar-me, começo a ver algo a mexer-se. A mexer? O quê? O arco-íris não se mexe... Serão outras pessoas que, tal como eu, o conseguiram alcançar e trepar? Não, isso não faz sentido... É que talvez nunca se consiga alcançar a grandeza de um arco-íris.

Aproximo-me mais e começo a ver o seu coração. Ah, o coração! Quanta belezaBati à porta e espreitei, com ânsia de saber quem vive lá dentro. Vejo uma roda de príncipes e princesasAlguns conversam, outros brincam, há os que preferem ouvir música e os que queriam descansar de barriga para cima. "Olá, posso entrar?", perguntei. "Claro!", respondeu-me alguém. "Claro!", pensei eu?... Os adultos demoram muito tempo a responder isso. Serão crianças?... Entrei, entrelaçada na minha pequena nuvem. Vi crianças, muitas crianças. Receberam-me de braços abertos e lá estava eu outra vez, a flutuar num manto de amor e pureza. "Tan-tan-tan-tan-tan". O que é isto? Um barulho?... O despertador?... Agora que conheci estes meninos? Não, espera despertador. Dá-me só mais um bocadinho! Fecho os olhos e volto àquele coração que me sorria enternecido... Uau, tantas cores! E quantos abraços bons eu começo a receber… Todos os xis deixavam marcas em mim. A minha nuvem começou a ficar com tantas cores e tão bonitas, tão vivas, tão cheias de alegria! As princesas Ritinhas pintaram-me de vermelho e os príncipes Afonsos de laranja. Uma ondinha amarela foi deixada pelo Pimpas e outra pelo Pedro. O Gabriel quis abraçar-me em tons de verde e o João deu-me um "xi dos jónis" arroxeado. Começo a olhar para mim e a reparar que estas crianças estavam a pintar o meu coração. Uma lágrima escorreu-me pelo rosto. Sim, porque corremos o risco de chorar um bocadinho quando nos deixamos cativar!... E sempre que eu recebia um novo abraço, as cores misturavam-se todas e ficavam também nas nuvens onde viajavam estes pequenos. Mas esperemnão ficou por aqui! Vejo um batalhão a aproximar-se. "São os azuis", disse a Ritinha, com o sorriso mais doce que já conheci. "Os azuis?", perguntei eu. "Sim", disse o Gabriel, "vem aí o Gonçalo, o Bininho, o Paulinho, o Rafinha, o Ricardo e o Rúben!". "Tantos?", perguntei, maravilhada com estes príncipes cavalheiros que se aproximavam. "Então e quem é que está ali no carrinho de bebé que eles trazem?". O Pimpas olhou para mim e riu-se. O Afonsinho aproximou-se e deu outra gargalhada. "É o Kikinho", respondeu-me!

Entrei nesta roda gigante e experimentei o sabor da paz, em forma de alegria. "Tan-tan-tan-tan-tan", ouvi novamente. Oh nãoo despertador! "Esperem não posso ir embora sem vos perguntar se amanhã vão estar aqui"! Sorriram-me, como se eu fizesse uma pergunta tonta. Olhei para eles e com o olhar responderam-me – "estaremos sempre por perto". Desliguei o despertador e abri os olhos, com a tristeza de quem termina um sonho bom. De repente, algo começou a iluminar-se dentro de mim. Lembrei-me que nesse dia ia trabalhar para um Kastelo e brincar com príncipes e princesasO quê? Era a minha roda dos meninos... Afinal a minha roda existia! Afinal não era só um sonho! Ela existe e eu faço parte dela. E como eu, tantos profissionais apaixonados que todos os dias embelezam esta casa. Dei por mim já a entrar nos portões do Kastelo, aquele reino encantado que vive no coração do arco-íris. Olhei para o céu e as nuvens sorriram para mim. "Bom dia, Alexandra!", disseram-me as famílias com quem me cruzei. "Olá!", respondi eu, com todo o afecto que uma palavra pode abraçar. Já entrei, já estou cá dentro. Os meus príncipes estão aqui. As minhas princesas também. Que bomtão bom!


Vocês são o meu sonho mais bonito. Obrigada!

Alexandra

sexta-feira, 28 de abril de 2017


Ser Fisioterapeuta Kastelo é quebrar paradigmas, é pensar fora da caixa. Isso significa entender que as crianças são especiais e como tal precisam de sentir, vivenciar e explorar as coisas maravilhosas da vida; O sol a aquecer o corpo, o vento a passar os agasalhos, a água a penetrar os poros da pele, as gargalhadas, os abraços e a segurança de um colinho, são essas as coisas maravilhosas da vida e o que não falta no nosso lugar mágico.

Ser Kastelo é fazer que todos entendam que diagnóstico não é destino, muito menos sentença... é só porque nisto da saúde tem que se dar um nome a tudo e, por vezes, cai-se no erro de achar que só porque tem o mesmo nome tem que ter o mesmo fado. Ora aqui no Kastelo há muito se percebeu que apesar de sermos muito idênticos todos aspiramos a coisas diferentes e não vamos deixar que um rótulo nos defina, porque além disso existe tanta coisa que esses senhores que dão nomes ás coisas ainda não sabem. E sabem uma coisa? Aqui que ninguém nos ouve, nem sabem o prazer que nos dá quando mostramos a esses senhores que apesar de nos terem dado um destino à partida nós arranjamos maneira de o re-inventar.

Aqui no Kastelo não se espera por milagres, porque isso é uma chatice que não depende muito de nós,  portanto preferimos a Esperança, isso sim! A Esperança dá-nos um caminho, dá-nos força para andar todos os dias um bocadinho mais e fazer e ser melhor. A Esperança não nos deixa baixar os braços, nem cair de joelhos, faz-nos acreditar que o melhor está para vir e que ainda que existam abalos nós somos mais fortes que isso e temos a capacidade de nos transcender.

Ser Kastelo é termos a humildade de nos baixarmos perante estas crianças, estas famílias e aprendermos com elas, é perceber o quão pequeninos somos e quanta mesquinhez deixamos que caiba na nossa vida. Ser Kastelo é dar um braço a torcer e os dois a ajudar, é tirar pedras do sapato.

Ser Kastelo é ser Vida e deixar-nos levar pela “Laurilinha” que se não tem amigos depressa os arranja;  é saber que a todo o momento “é hora (por isso) chama um amigo para brincar, chama um amigo para jogar”; é uma fatiota bonita e um cabelo ao vento; é espirrar com muita força; é dar abraços com a força do Mundo; é começar a falar e nunca mais parar; é querer ser bombeiro e salvar vidas; é dizer tudo sem nada dizer; é rir só de parvoíces; é dar gargalhadas tão grandes que nos confundem porque não temos essa capacidade; é poder ser levado numa mão; é andar tempos sem fim; é pedir colinho sem medo de o receber.

 

Quase tudo me faz sonhar, que esquisito. Às vezes parece-me que sou uma nuvem com raízes, sempre a partir e a ficar. Não abandono os sítios de que me fui embora, coloquei a alma, escondida, sob cada objeto…Lembro-me dos patos, dos coelhos, de ser tão feliz, lembro-me de tudo. Não esqueci nada, não vou esquecer nada... Certos perfumes nos corredores, as conversas cheias de palavras desconhecidas dos adultos, ajudar à festa, a dor dos outros, que invariavelmente me aflige, o padre engraçado...Vidas pequeninas que eu não compreendia. A profunda solidão das pessoas. O meu espanto diante das criaturas amargas. Entendo a tristeza… não entendo a amargura, o azedume, a avidez. Nem a antipatia, nem a inveja, nem a vaidade…Agora veio-me à cabeça um amigo meu, Frei Bento Domingues.

Um dia disse-lhe:

-         Estás sempre tão alegre...

Ele respondeu

- O que podia ser eu senão alegre?”.

António Lobo Antunes “Croniquinha” [adapt.]

 

Luís Santos

Fisioterapeuta Kastelo




 


                                                         
As portas fecham-se atrás de mim e lá fora fica o mundo real. Entro diretamente num sonho que me faz ficar com a respiração suspensa, um nó que se forma na garganta e me impede de respirar. As palavras colam-se umas às outras e o meu pensamento torna-se num texto compacto e difícil de decifrar.
Não preciso de um monitor para saber que o meu coração aqui bate mais depressa e que em cada batida se torna mais forte. Se eu fosse um monitor, estaria sempre a alarmar!
Subo as escadas como quem sobe pelas paredes e dispo a minha pele como quem veste uma armadura. Disfarço as minhas lutas interiores e rendo-me aos guerreiros que me esperam.
Crianças que vão trocando o sofrimento por sorrisos como se fossem cromos, que piscam o olho ao destino como se este fosse um grande amigo, que nos ensinam a sair de um corpo que aprisiona e voar num baloiço até ao céu. Os muros que cercam o jardim deixam então de ser uma trincheira para se transformarem num abraço protetor. E neste vai e vem de emoções, ouço os ecos de uma gargalhada que me alimenta de esperança, através de uma sonda invisível ligada diretamente ao coração
Corpos pequenos torcidos pela doença, rostos infantis com olhares de gente grande, cabelos e pele suave de bebé, cheiro a banho tomado e água-de-colónia. Para eles o amor é tão precioso e raro como o oxigénio que lhes chega em tubos. A rotina traduz-se em cuidados e os cuidados em amor. Tal como o soldadinho de chumbo também eles querem ser amados para além das suas limitações. E é fácil, acreditem!
Um dia as portas vão-se fechar atrás de mim e eu ficarei do lado de fora. Será como acordar de um sonho que começou para mim num cadeirão de hospital. Fazer parte deste projeto é um imenso motivo de orgulho. Durante estes meses colecionei momentos, gestos e sorrisos que me servirão de escudo no mundo real. Levarei no meu coração as lágrimas e o medo mas também a fé e a esperança.
Se tiver feito o Gabriel acreditar que as borboletas brancas são fadas e o Afonso acreditar que a casca do caracol é um palácio; se o Meirinha acreditar que o meu barquinho de papel chegou ao Brasil e o Pimpas acreditar que vive um Leão no jardim; se a Rita acreditar que foi à lua e o Pedro e Gonçalo acreditarem que voaram no baloiço; se o Bandeira acreditar que foi o coelho que lhe pôs a cenoura na sopa e o Albino acreditar que é primo do João Pestana; se o João, o Paulinho, o Rafa, o Diogo, o Tomás e o Kiko acreditaram que a vida é uma grande aventura, se algum deles acreditar, nem que seja por um momento, a minha missão foi cumprida.
                                                                     Matilde Eça de Queiroz

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