quinta-feira, 25 de outubro de 2018


O meu nome é Tânia tenho 33 anos e sou mãe de uma princesa do Kastelo, a Melissa de 3 anos. A Melissa foi uma criança muito desejada, que nasceu numa noite de Dezembro em que chovia torrencialmente. Quando a vi pela primeira vez o mundo transformou-se, ela era tão linda, tinha imenso cabelo, cabelo forte e preto, olhos rasgados, e tinha uma bochechas maravilhosas que só dava vontade de apertar. Um dia depois do seu nascimento informaram-me que a minha princesa tinha de fazer fototerapia porque tinha falta de vitamina D. Nesse dia começou o meu sofrimento de mãe, ela tinha de estar numa incubadora com os olhos vendados com uns óculos, para a luz não lhe afectar os olhos, teve de lá estar 24 horas. A Melissa passou essas 24 horas sempre a chorar e ainda por cima os óculos estavam sempre a sair do sítio e eu cheia de medo que aquilo lhe pudesse afectar a sua visão. Como devem imaginar eu também passei essas 24 horas a chorar, era um sofrimento enorme, uma frustração querer agarrar a minha filha, dar-lhe carinho dar-lhe amor e não poder, ela tinha de estar ali.
Estivemos 5 dias no hospital e depois regressamos a casa, parecia que estava a viver um sonho, o sonho mais bonito que uma mulher pode ter. Tinha uma filha maravilhosa, saudável e tranquila. Os meses foram passando a Melissa foi crescendo tudo na mais perfeita harmonia. Aos 6 meses foi para a creche, a adaptação foi boa, aos 7 meses começa a dizer papá, aos 8 meses mamã e aos 9 meses começou a gatinhar, tudo na mais perfeita normalidade.
Até que aos 17 meses uma amiga minha (que é como uma irmã), a Tânia, se senta ao pé de mim muito nervosa e diz-me que precisamos de falar sobre a nossa menina, ali o meu coração parou. É que a Melissa até aquele momento ainda não andava, não batia palminhas, não apontava para as coisas a demonstrar o que queria, não fazia nada do que as crianças da sua idade faziam. Nós nunca demos importância a isso porque a Melissa era seguida por uma pediatra particular, pela médica de família e também andava na creche, onde pessoas com bastante experiência sempre me disseram que a Melissa não fazia porque não queria, que ela era mas é malandra, que não havia nada com que me preocupar porque cada criança tem o seu tempo. E com isso eu ia-me convencendo, até aquela tarde, que a minha amiga me chama à atenção, que o atraso de desenvolvimento da minha princesa não era normal. Nessa mesma tarde ela já tinha pesquisado uma médica especialista em desenvolvimento, ligamos logo para marcar uma consulta.
Passados alguns dias fomos à consulta, a Dra. Dulce foi uma profissional excelente. Ela disse-nos que havia sim um atraso considerável, mas se podia dar ao facto de a Melissa andar sempre muito congestionada do nariz, e por consequência lhe afectar a audição. Aí o meu coração ficou mais tranquilo porque fazendo um tratamento, ou na pior das hipóteses submetendo-a a uma pequena cirurgia, ela iria recuperar o atraso, pensávamos nós.
Para percebermos o real atraso de desenvolvimento da nossa filha, eu e o meu marido decidimos procurar um profissional de intervenção precoce a Mitó. A Mitó foi um anjo que me apareceu na vida. Após 3 horas de avaliação, a Mitó consegue ter bases para fazer um teste de avaliação do desenvolvimento adaptado “Schedule of Growing Skills II”e foi-nos revelado que a Melissa apresentava um atraso no desenvolvimento de 10 meses, ou seja, a minha filha tinha o desenvolvimento de uma criança de apenas 8 meses. Quando me dei conta do tamanho do atraso da minha filha, o meu mundo fugiu-me debaixo dos meus pés, fiquei sem chão. Começamos logo a trabalhar com a Mitó 1 vez por semana. Ela ensinou-nos tácticas e exercícios para trabalhar com a nossa filha. Passado 2 semanas a minha esperança e alegria voltavam a brilhar, a minha princesa começa, finalmente, a andar. Mas a minha alegria dura pouco, alguns dias depois a Melissa teve uma paralisia facial, sem explicação. Fomos para as urgências onde a minha princesa é encaminhada logo para a fisioterapia. Mais uma vez tivemos sorte com a profissional, é uma senhora que tem bastante experiência em lidar com crianças com problemas e deficiências. A fisioterapeuta Dulce, que é esse o seu nome, começou-nos a fazer algumas perguntas para pudermos descobrir de onde poderia ter surgido aquela paralisia, onde numa das questões ela nos perguntava se a Melissa tinha convulsões, eu e o meu marido, olhamos um para o outro com um ar muito estranho, por a terapeuta nos estar a fazer aquela pergunta. Respondemos de imediato que não, que a nossa filha até ali tinha sido sempre saudável, onde ela nos explica que convulsões não são só aquelas que a pessoa cai e fica a estrebuchar, que também as pessoas têm pequenas ausências, que isso também é resultado de uma convulsão. Isso nós realmente verificávamos, que a Melissa fazia, mas como era coisa de segundo não ligamos. Nesse mesmo dia ligamos à Mitó a perguntar o que ela nos aconselhava a fazer. Disse-nos que o melhor a fazer seria ter uma consulta com a neuro pediatra, que ela melhor que ninguém nos podia ajudar, e assim o fizemos.
Fomos à consulta onde ela observa a Melissa e nos manda fazer um EEG no hospital pediátrico. No dia 30 de Agosto de manhã lá estávamos nós, lembro-me perfeitamente desse dia porque era o dia em que celebrávamos 3 anos de casados. Passado 2 horas da minha princesa fazer o exame somos novamente chamados pela neuro pediatra para conhecermos o resultado, e sim a minha filha tinha uma encefalopatia epilética/epilepsia com ausências e mioclonias que ocorriam quando ela estava a dormir. Foi por isso que nunca demos conta. Esse foi o dia mais triste da minha vida, a minha filha tinha epilepsia e é para toda a vida, mas para além disso a epilepsia era causa de outra doença, ou seja, ainda havia mais para descobrir. Chorei tanto no caminho todo até casa. Por mais que me esforçasse não conseguia impedir as lágrimas caírem pelos olhos abaixo. Nesse mesmo dia fomos encaminhados para uma consulta de genética, para ver se descobríamos o que estava a provocar a epilepsia. Foi-lhe recolhido sangue para fazer umas análises fora do país.
A partir daí a Melissa começa a tomar medicação para a epilepsia e passado pouco mais de duas semanas a minha princesa perde o andar. Ficamos desesperados, sem saber como poderíamos ajuda-la, mas a única coisa que podia ser feito era fisioterapia para evitar que a Melissa regredisse mais. Cerca de um mês mais tarde a minha princesa começa a perder cada vez mais as suas faculdades, desta vez tinha deixado de gatinhar, tinha perdido o interesse pelos brinquedos. Mais uma vez o desespero predominava na minha vida. Foi nessa mesma altura que eu comecei a questionar se havia Deus, se havia onde é que ele estava agora no momento em que mais precisava dele? O que eu tinha feito de tão grave para ele me punir assim? Porquê a minha filha? Essas eram as perguntas que eu me fazia.
O tempo foi passando a nossa angústia foi aumentando, a Melissa a regredir cada vez mais e nada dos resultados da genética. Foi então que a neuro pediatra nos mandou fazer uma R.M ao crânio para ver se conseguia alguma coisa que ajudasse no diagnóstico. Esperamos dois meses pelo exame, esperançosos que este nos revela-se alguma coisa. No dia do exame, quando lá chegamos, é nos informado a mim e à Tânia que a Melissa não poderia fazer o exame porque havia greve dos técnicos de saúde. Não! Não aquilo não poderia estar a acontecer! Entramos logo em desespero a minha filha já estava sem comer desde as 8 da manhã, já eram 14 horas e a minha filha sem nada no estômago e a angústia que ia nos nossos corações sem saber se a Melissa poderia ter alguma coisa na cabeça fatal.
Este foi sem dúvida o pior dia da minha vida, eu ali com a minha filha nos braços, a Tânia a pedir e a implorar pelo amor de Deus para nos ajudarem para fazerem o maldito exame à minha filha, e a dizerem-nos que não podia fazer nada. A minha impotência, a minha dor era tão grande. Eu e a Tânia chorávamos baba e ranho, e ninguém nos queria ajudar, eu sei que eles estavam a lutar pelos direitos deles, mas eu estava desesperada e só queria ajudar a minha filha. Foi então que me lembrei de ligar à neuro pediatra, para ver se ela me podia ajudar. Ela disse para não arredar pé de lá, que ia ver o que conseguia fazer. Não se bem como, mas ela conseguiu. Veio logo uma enfermeira a dizer para aguardar 1 hora que o anestesista estava ocupado, mas que já vinha para cima. E assim foi passado 2 horas dizem-me que eu já podia ir ver a minha filha. Ela está ainda a dormir, parecia um anjo, tão linda, tão pura. Logo de seguida entra a Dra. que fez a RM e nos diz que a nossa princesa não tinha anda de anormal, nenhuma malformação no cérebro. Foi sem dúvida a melhor noticia que eu ouvi em toda a minha vida, já podíamos respirar de alívio quanto a essa questão.
Entretanto em Dezembro a minha princesa é submetida a uma operação para colocar uns drenos nos ouvidos é-lhe então realizada uma adenoidectomia e uma miringotomia. A operação correu muito bem, passado poucas semanas já se notava a grande diferença na audição da Melissa. Já nos prestava atenção quando a chamamos. O fim do ano já estava mesmo a achegar e eu só pedia a Deus para o próximo não ser tão pesado como este.
Entretanto chegaram os resultados da genética, mas não tinham descoberto nada, teriam de voltar a fazer exames. No início do ano a neuro pediatra decide que deveríamos fazer uma punção lombar. A neuro pediatra da Melissa sempre foi uma pessoa que fazia tudo para tentar ajudar no diagnóstico da doença. Sempre esteve disponível para nos ajudar ou esclarecer qualquer dúvida que nós tivéssemos de noite ou de dia, sempre muito dedicada. Este exame também não nos revela nada. Não havia ali qualquer indício por um lado graças a Deus! O tempo foi passando e a Melissa cada vez mais a perder a sua autonomia. Era frustrante não termos nenhuma maneira de ajudarmos a nossa filha que já nem de pé se conseguir pôr.
No final de maio a Melissa começa a ter crises do choro a meio da noite, nem eu nem o meu marido a conseguíamos acalmar. Foram muitas noites em que eu ou ele saíamos de casa às 3 da manhã para passear de carro com ela para ver se ela adormecia novamente. O pior é que ela também começou a ter essas crises na creche. Ligavam para o meu trabalho para eu ir buscar a minha filha porque não a conseguiam acalmar. Fui várias vezes para o hospital, para ver se poderia ter alguma coisa, faziam todos os exames e nada. E no outro dia acontecia a mesma coisa. A minha sorte é que a minha entidade patronal sempre esteve do meu lado, sempre me apoiaram no que precisava, desde horários flexíveis, de ter de faltar para ir a várias consultas e exames que a Melissa tinha, nunca me puseram objecção nenhuma. Mas aquela situação já estava a ser demais, ligavam-me quase todos os dias no final da manhã ou no início da tarde para ir buscar a minha filha. Isto tudo estava a dar comigo em doida, acordar a meio da noite com ela aos gritos, os telefonemas da creche para ir busca-la, tentar conciliar o trabalho com as consultas, estava a ser demais. Foi então que decidi pôr baixa para acompanhamento ao filho por doença crónica, foi a melhor decisão, já tinha tempo para a minha filha, tinha tempo para mim e também já tinha tempo para o meu marido porque as coisas entre nós também não estavam fáceis. A nossa frustração, a nossa ansiedade e nervosismo geravam muitas discussões entre nós, por vezes por motivos irrisórios. Não é à toa que 90% dos casais com filhos com problemas de saúde se separam. O tempo foi passando, a Melissa sempre com muitas consultas, até que temos uma de fisiatria em que o fisiatra, sem saber que nós ainda não conhecíamos os resultados dos exames de genética, nos diz que estavam a suspeitar de síndrome de Rett.  Assim que acabamos a consulta, levo a Melissa para a fisioterapia e no telemóvel pesquiso sobre essa síndrome. As lágrimas começam automaticamente a descerem-me pela cara. Tudo o que estava escrito eram sintomas da minha princesa. A regressão a partir dos 18 meses, no andar, no verbalizar, a perda de interesse pelos seus brinquedos e descoordenação nos movimentos das mãos, e as crises de choro a meio da noite. Tudo aquilo fazia parte da doença, mas aquilo em que mais me concentrei foi o facto da esperança média de vida ser até aos 60 anos. Isso para mim já me dava força para continuar a lutar.
Dois dias depois tivemos a consulta de genética e de neurologia ao mesmo tempo. Foi então confirmado, foram bastantes choros. A Melissa nunca vai falar e não sabemos se um dia vai andar. As lágrimas escorriam-me pela cara, mais uma vez, e mais uma vez eu me questionava porquê a mim? Porquê a minha filha, uma criança inocente? Isto acontece 1 em casa 10.000 meninas, porquê justo com a minha princesa.
A síndrome de Rett é uma desordem do desenvolvimento neurológico no cromossoma X que acontece em maioria das vezes em meninas porque os meninos, eles não resistem e acabam por morrer logo à nascença. É uma doença que foi descoberta há relativamente pouco tempo, por isso ainda não existe cura nem tratamento.
Neste meio tempo foi então que ouvi falar no Kastelo, um lugar com terapias diárias, onde eu poderia estar internada e a assistir a toda a evolução da minha filha, com profissionais capacitado e empenhados aa dar o seu melhor pelas vidas destas crianças. Um reino encantado para príncipes e princesas, que nos ajudam a nós pais a recuperar a alegria de viver.

Tânia, Mãe da Melissa



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