segunda-feira, 29 de outubro de 2018

FRANCISCO - O GUERREIRO

Em dezembro de 2016, enquanto no mundo se vivia a azáfama das compras de Natal, eu vivia um momento muito tranquilo e especial, como que uma prenda antecipada, Deus tinha-me brindado com a Tua presença e estaria prestes a tornar-me “mãe de segunda viagem”. Estava mesmo muito contente.
Em fevereiro fiquei a saber que eras um menino e decidimos chamar-te Francisco. FRANCISCO: um nome forte (sempre pensei), o nome do Papa, do pastorinho, nome de guerreiro… e que GUERREIRO
Os dias, as semanas e os meses foram passando de forma serena. Era sempre bom ver-te, através das ecografias nas consultas, e perceber que crescias de forma harmoniosa. Passei a sentir-te e a criar muitas espectativas em relação à tua vida fora dessa “bolha” que até agora te protegia. Fiz o teu enxoval, com muito carinho, e preparei a casa, o melhor que pude, só para te acolher. O teu quarto estava lindo, estava tudo pronto, só faltavas mesmo tu.
E o dia chegou! Partimos rumo à aventura a nove de agosto de 2017, pelas 15:44, e vi-Te, recebi-Te no meu colo e o meu coração amou-Te.
O primeiro mês passou sem grandes sobressaltos. O lar enchia-se de visitas, todas elas para ti, e a boa disposição e alegria pairavam no ar, sentiam-se, cheiravam-se. Já seguias tudo, com esses teus olhos lindos e pestanudos, já rias, já davas o teu ar de graça. A tua irmã e pai estavam muito orgulhosos e gostavam muito de ajudar, de te dar imenso mimo e colo. Mas, infelizmente, esse mês passou muito rápido e foi mais veloz do que alguma vez eu poderia imaginar. Até que, na manhã do dia 15 de setembro o nosso chão desabou, sem eu sequer conseguir perceber como…
O teu pai percebeu que não estavas bem e que algo de muito estranho se passava… deixas-te de respirar… foi o desespero! Não sei como… não consigo explicar… 
Chegou o INEM, olhei-te … branco, gelado… MORTO?! E AGORA!!! Instalou-se o caos… estarei a sonhar… isto é um pesadelo, não pode ser real! E fui engolida por um turbilhão de emoções…
Seguiram-se dias muito difíceis de internamento na UCI. As palavras dos médicos eram escassas e nem eles pareciam ter resposta para o sucedido. 
-  É muito grave – diziam. – Pode não resistir. As próximas horas são cruciais…
Porém, e contrariamente ao que diziam, eu tinha a certeza que sim, eu acreditava, eu tinha fé e sabia que eras forte, que eras um guerreiro e irias fazer jus ao teu nome. Não foi fácil… chorei muito… senti-me desesperada, desamparada… fui bombardeada por muita informação e tive bastante dificuldade em perceber e absorver tudo aquilo que me iam transmitindo. 
Na UCI passou-se um infindável mês e meio. Não esqueço o que vi, porque me chocou, porque nunca tinha visto nada igual. O que te fizeram, meu anjo? Nem sequer te consegues mover… não choras… não abres os olhos…não reages… NÃO ME VÊS! NÃO ME SENTES! ESTOU AQUI! Peguei em ti ao colo, acariciei-te, beijei-te, muito poucas vezes, muito menos do que as que gostaria, mas foram as possíveis. 
As respostas, face ao teu problema, continuavam a ser muito exíguas: lesões cerebrais, quistos, hemorragias… Foram realizados vários exames bacteriológicos e genéticos para despiste e… nada. Tudo se apresentava negativo ou inconclusivo. Seguiu-se a extubação, porque a tua ventilação era assistida. Mais uma vez as palavras médicas:
- Não se vai aguentar, não vai conseguir respirar sozinho, irá necessitar de realizar uma traqueostomia. Preparem-se.
Mas eu achava que como GUERREIRO irias vencer mais uma guerra. E assim foi.
No dia 26 de outubro tiveste alta para o Joãozinho. Mais um mês e meio de angústia se seguiu. Fizeste múltiplas infeções respiratórias e os médicos tinham-nos comunicado que, para ti, as mesmas poderiam ser fatais. Nesta fase vi-te enfraquecer, e muito. Também eu me sentia enfraquecer. Houve mesmo dias em que senti que já não era capaz de aguentar mais a dor… mas a fé deu-me a força e o alento para continuar a batalha. O Padre Paulo, que nos visitava todos os sábados, depois da missa das crianças para nos dar a sua bênção, reconfortou-me com as suas sábias palavras:
- O seu filho é um lutador! Não desista, mãe, porque ele está aqui e ainda não desistiu!
E eu engoli as lágrimas e entreguei-me à luta. Nesta fase passavas os dias a dormir e pouco ou nada comias e interagias. Via-te a definhar cada vez mais, com algumas dores, quando mobilizado, e o meu coração doía ainda mais. Gostava de te tirar daqui, pensava. Gostava de te poder proporcionar outra vida, num espaço fora deste ambiente hospitalar, onde pudesses de facto VIVER longe desta cama e deste quarto, já que apenas consegues ver o mundo atrás das grades das janelas. E foi assim que soube de um Castelo onde o meu príncipe guerreiro poderia viver e ser feliz. 
Apesar de muitas dificuldades em conseguir a vaga e a alta hospitalar, o dia seis de dezembro chegou. Foram três meses de sofrimento e tormenta, mas agora vamos poder desfrutar das coisas boas que a vida nos pode oferecer. Finalmente via a LUZ ao fundo do túnel e pensava: “É de uma casa destas que o meu filho precisa.”
E foi neste ambiente esperançoso que iniciamos um novo ciclo e viajamos até ao Kastelo, onde permanecemos durante seis maravilhosos meses. E que maravilhosos foram esses meses! 
Foi no Kastelo que o meu príncipe aprendeu a DAR VIDA AOS DIAS e a ser feliz. O Francisco passou a ver a luz do dia e a conviver com outras crianças e adultos. Realizava todas as terapias essenciais ao seu desenvolvimento, com técnicos especializados, que o enchiam de muitos beijinhos e mimo, a “carinhoterapia” como a enfermeira Teresa ternamente lhe chamava, a terapia mais importante, a meu ver. Contactava com a Natureza, pois ouvia o som dos animais, sentia o aroma das flores, o calor do sol, nos dias mais quentes, e o vento, nos dias mais frios e, só à noite, regressava aos seus aposentos onde podia finalmente repousar, depois de um dia tão enriquecedor e preenchido por diferentes atividades. Para além de todo o apoio dado ao Francisco, nós os pais também éramos acarinhados, sim, porque também nós nos encontrávamos descrentes e fragilizados com o tempo infindável passado num ambiente desmoralizador como é um hospital. Foi muito bom viver no Kastelo, onde todos nos sentimos dignos e sentimos gente. Vivíamos um sonho tornado realidade! Mas todos os sonhos têm um princípio, um meio e um fim. A vida do meu anjo acabou por ter alguns altos e baixos, com internamentos pelo meio, embora muito curtos, mas no fim sempre regressávamos a casa, ao nosso Kastelo. Os dias foram passando e o Francisco já tinha os seus dias bem definidos, enquanto anjo de passagem pela Terra… pudesse eu saber que todos os bons momentos passados no kastelo, os passeios onde juntos exploramos a Natureza, onde rimos e choramos, onde fizemos amizades para a vida, onde nos sentimos apoiados e sobretudo respeitados e compreendidos, estavam prestes a chegar ao fim.
Foi no dia vinte e sete de junho que o GUERREIRO Francisco decidiu encerrar o ciclo e ganhar asas. Partiu para um Reino Encantado “O PARAISO” e, como guerreiro determinado que se preze, despediu-se do seu Kastelo, onde tinha aprendido a viver em pleno, para rumar a outras e maiores aventuras.
Não o pude acompanhar, mas tenho a certeza de que se sairá muito bem e que continuará a espalhar a luz e a felicidade por onde passar e com quem se cruzar. Sei que um dia iremos estar juntos novamente e, nessa altura, não haverá nenhuma restrição para que nos possamos amar em pleno e recuperar todos os anos em que fisicamente não nos foi possível estar juntos, porque no meu coração a tua presença é e será sempre eterna.
Um beijinho da mãe. Até ao Paraíso.



4 comentários:

  1. Texto fantástico! Muito bem sentido e parabéns a esta mãe e pai que também eles são uns Guerreiros nesta história!

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  2. Parabéns por ser à pessoa fantástica que é, pela força interior e por transmitir e transferir a mensagem fabulosa ,bem haja, Felicidades ♥

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  3. Gostei muito de ler o que escreveste. És linda!!! No teu coração e a tua vida és uma guerreira! Se és! Um Abraço apertado. Beijinhos orantes!

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  4. Um resumo que não espelha tudo mas que reflete o importante! Gostei de ler!
    Gente muito forte! Um abraço

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