As portas fecham-se atrás de mim e lá fora fica o mundo
real. Entro diretamente num sonho que me faz ficar com a respiração suspensa,
um nó que se forma na garganta e me impede de respirar. As palavras colam-se
umas às outras e o meu pensamento torna-se num texto compacto e difícil de
decifrar.
Não preciso de um monitor para saber que o meu coração aqui
bate mais depressa e que em cada batida se torna mais forte. Se eu fosse um
monitor, estaria sempre a alarmar!
Subo as escadas como quem sobe pelas paredes e dispo a minha
pele como quem veste uma armadura. Disfarço as minhas lutas interiores e
rendo-me aos guerreiros que me esperam.
Crianças que vão trocando o sofrimento por sorrisos como se
fossem cromos, que piscam o olho ao destino como se este fosse um grande amigo,
que nos ensinam a sair de um corpo que aprisiona e voar num baloiço até ao céu.
Os muros que cercam o jardim deixam então de ser uma trincheira para se
transformarem num abraço protetor. E neste vai e vem de emoções, ouço os ecos
de uma gargalhada que me alimenta de esperança, através de uma sonda invisível
ligada diretamente ao coração
Corpos pequenos torcidos pela doença, rostos infantis com
olhares de gente grande, cabelos e pele suave de bebé, cheiro a banho tomado e
água-de-colónia. Para eles o amor é tão precioso e raro como o oxigénio que
lhes chega em tubos. A rotina traduz-se em cuidados e os cuidados em amor. Tal
como o soldadinho de chumbo também eles querem ser amados para além das suas
limitações. E é fácil, acreditem!
Um dia as portas vão-se fechar atrás de mim e eu ficarei do
lado de fora. Será como acordar de um sonho que começou para mim num cadeirão
de hospital. Fazer parte deste projeto é um imenso motivo de orgulho. Durante
estes meses colecionei momentos, gestos e sorrisos que me servirão de escudo
no mundo real. Levarei no meu coração as lágrimas e o medo mas também a fé e a
esperança.
Se tiver feito o Gabriel acreditar que as borboletas brancas
são fadas e o Afonso acreditar que a casca do caracol é um palácio; se o
Meirinha acreditar que o meu barquinho de papel chegou ao Brasil e o Pimpas
acreditar que vive um Leão no jardim; se a Rita acreditar que foi à lua e o
Pedro e Gonçalo acreditarem que voaram no baloiço; se o Bandeira acreditar que
foi o coelho que lhe pôs a cenoura na sopa e o Albino acreditar que é primo do
João Pestana; se o João, o Paulinho, o Rafa, o Diogo, o Tomás e o Kiko
acreditaram que a vida é uma grande aventura, se algum deles acreditar, nem que
seja por um momento, a minha missão foi cumprida.
Matilde Eça de Queiroz
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